Esclarecimento
Na sequência de várias questões colocadas pela comunicação social, relacionadas com um inquérito que tem por objeto a investigação de factualidade suscetível de consubstanciar, em abstrato, a prática de crimes de violação de segredo de justiça, violação de segredo por funcionário e falsidade de testemunho, o DIAP de Lisboa esclarece:
Este inquérito foi registado no dia 9 de março de 2018 e teve por base notícias publicadas a propósito do designado “caso e-toupeira”, à data submetido a segredo de justiça.
Em investigação está a fuga de informação que permitiu que, a 6 de março de 2018, dia em que se realizou a operação de buscas e detenções, ainda antes da efetivação das diligências, já jornalistas de dois órgãos de comunicação social estivessem na posse de detalhes que sugerem o acesso a peças do mencionado processo “e-toupeira”.
Com efeito, o conteúdo dessas peças processuais, no momento em que começou a ser divulgado no sítio online daqueles órgãos de comunicação social, encontrava-se acessível a um núcleo muito restrito de pessoas, todas ligadas ao processo por razões funcionais.
Por se suspeitar que os jornalistas em causa mantinham um contacto próximo e regular com agentes policiais ou do universo dos tribunais, entendeu-se ser de extrema relevância probatória compreender com quem se relacionavam e que tipo de contactos estabeleciam com “fontes do processo", de modo a procurar identificar os autores das fugas de informação, também eles agentes da prática de crimes.
Para tanto, a 3 de abril de 2018, foi determinado à PSP a realização de vigilância policial dos suspeitos, autores das mencionadas notícias.
A diligência ordenada implicou, exclusivamente, seguimento na via pública com a extração de fotografias também elas na via pública. Esta diligência não se enquadra na previsão do Art.º 6º da Lei nº5/2002, de 11.01, aplicável a registo de som e imagem em locais vedados ao público. A vigilância em questão resulta da aplicação conjugada dos art.125º e 167º do Código de Processo Penal e Art.º 79º, nº2 do Código Civil e 199º do Código Penal, não tendo, que ser autorizada ou validada por juiz de instrução, por não caber na sua competência tal como legalmente definida (art.268º e 269º do Código de Processo Penal).
O relatório final desta diligência foi entregue a 2 de outubro de 2018.
No referido dia 6 de março de 2018, data das diligências no âmbito do “caso e-toupeira”, as primeira notícias, tornadas públicas antes das 9h, davam já conta dos meios envolvidos na operação. Esta informação, que era apenas do conhecimento da polícia, só veio a ser veiculada oficialmente num comunicado da Polícia Judiciária disponibilizado mais de uma hora e meia depois das notícias.
Nessa sequência, entendeu-se ser necessário refazer o circuito das mensagens de correio eletrónico transmitidas a propósito do mencionado comunicado, designadamente através do acesso às caixas de correio eletrónico pelas quais circulou, incluindo emails que tivessem sido apagados, o que foi promovido pelo Ministério Público e autorizado pela juiz de Instrução.
Assim, a busca às instalações da PJ, devidamente autorizada judicialmente, realizou-se no dia 12 de junho de 2019. Desta diligência foi dado conhecimento à Procuradoria-Geral da República.
A cópia dos dados foi efetuada dentro do quadro legal de apreensão dos dados informáticos e de correio eletrónico bem como o registo de comunicações de natureza semelhante previsto nos art.16º e 17º da Lei do Cibercrime e no art.179º do CPP, respeitando a proteção dos dados referentes à intimidade e àqueles sujeitos a sigilo.
Foram realizadas novas buscas nas instalações da Polícia Judiciária em setembro de 2019, para recolha de elementos adicionais, e em dezembro de 2019, para apreensão do telemóvel de suspeito.
Com efeito, as diligências investigatórias realizadas conduziram à identificação de um suspeito da autoria da fuga de informação. Este suspeito, coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária, foi constituído arguido e interrogado no dia 5 de dezembro de 2019. Diligência de que foi dado conhecimento à Procuradoria-Geral da República.
Com o objetivo de esclarecer as razões que terão movido o agente a fornecer informação sujeita a segredo de justiça, foi, a partir de janeiro de 2020, determinada a solicitação de documentação bancária referente ao arguido e, por despacho de 26 de fevereiro de 2020, quebrado o sigilo fiscal.
Na sequência da análise dos documentos recebidos, entendeu determinar-se, no início de setembro de 2020, a quebra de sigilo bancário relativamente a um dos jornalistas identificados nos autos.
Este jornalista foi interrogado como arguido no dia 30 de novembro de 2020.
Um segundo jornalista foi, igualmente, constituído e interrogado como arguido no dia 8 de janeiro de 2021.
Esclarece-se ainda que a magistrada titular deste inquérito em que se investigam crimes de violação de segredo de justiça, violação de segredo por funcionário e falsidade de testemunho fez consignar nos autos que tomou contacto com o designado processo “e-toupeira”. Precisou que tal contacto se circunscreveu a despacho proferido em momento prematuro da investigação e na participação em diligência de busca.
Não tendo aquela intervenção conferido qualquer conhecimento sobre os factos suscetível de constituir objeto de prova da verificação do crime investigado nem de quem foi o seu autor, considera-se que nenhum impedimento se verifica, nos termos e para os efeitos previstos nos Art.º 39º e ss. do CPP, suscetível de obstar à tramitação dos presentes autos pela magistrada.
No decurso da investigação, todas as diligências foram devidamente ponderadas e efetuadas com respeito pela legalidade e objetividade que devem nortear a atuação do Ministério Público.
Quando suscitaram maior melindre, as diligências realizadas foram previamente comunicadas e, inclusivamente, acompanhadas pela hierarquia.